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Firme e forte, Beth Carvalho lança CD/DVD 'Ao vivo no Parque Madureira'

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Beth Carvalho está lançando o 34º título de sua discografia solo neste mês de novembro de 2014. Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira chega ao mercado fonográfico em edição do selo Andança distribuída nas lojas pela gravadora Som Livre, nos formatos de CD e DVD, com o registro do show gratuito feito pela cantora carioca em 29 de março de 2014 no bairro carioca de Madureira. Trata-se do quinto DVD da artista, se incluído na contra o extra-oficial Beth Carvalho live at Montreux 2005, lançado pela gravadora ST2 no Brasi em 2008. A convite de Beth Carvalho, o editor de Notas Musicais, Mauro Ferreira, assina o texto que apresenta Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira aos jornalistas, aos radialistas e demais formadores de opinião. Eis o texto:

O reinado da Madrinha na Capital do Samba

Com o coração em festa, Beth Carvalho lança o CD e DVD Ao vivo no Parque Madureiracom músicas inéditas e seleção de sucessos que há muito não cantava

“É de Madureira, São José /
É de Madureira, São José...”

Há 30 anos, o refrão desse samba de Beto sem Braço (1940 – 1993) e Zeca Pagodinho ecoou em todo o Brasil na voz sempre atenta e antenada de Beth Carvalho. São José de Madureira foi um dos sucessos do álbum Coração feliz, lançado pela cantora em 1984. Três décadas depois, o samba ganha outro expressivo registro da intérprete que mais gravou músicas de compositores associados ao bairro de Madureira em sua irretocável discografia. São José de Madureira integra o repertório do gratuito show gravado ao vivo por Beth Carvalho no Parque Madureira, em 29 de março de 2014, para edição de CD e DVD que chegam neste mês de outubro ao mercado fonográfico através de parceria do selo Andança (de Beth) com a gravadora Som Livre e com o Canal Brasil. Produção de Beth Carvalho com seu empresário Afonso Carvalho, viabilizada com patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro, o show eternizado em Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira expõe a relação fundamental da cantora com o samba desse bairro celeiro de bambas. No documentário Beth Carvalho, Coração em festa, filmado para o DVD, os próprios sambistas ressaltam a importância da cantora na propagação de suas obras.

Para quem não mora na cidade do Rio de Janeiro, Madureira é um bairro da Zona Norte dessa cidade. É um bairro que sedia duas das mais tradicionais e importantes escolas de samba do Rio e do Brasil, a Portela e o Império Serrano. As velhas guardas dessas duas agremiações aglutinam compositores de fundamental importância na história do samba. Bambas que sempre estiveram presentes nas fichas técnicas dos discos de Beth Carvalho. Embora seu coração seja da Mangueira, outra tradicional escola de samba do subúrbio do Rio, Beth sempre deu voz e vez em seus discos a sambas de autores ligados à Portela e ao Império Serrano. Não há um disco da cantora em que o samba de Madureira não esteja representado – com exceções (plenamente justificadas) dos álbuns temáticos dedicados ao samba de São Paulo e ao samba da Bahia. É por isso que, quando canta Meu lugar (2006) no CD e DVD Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira, o samba de Arlindo Cruz e Mauro Diniz soa plenamente sincero na voz da Madrinha do Samba. Embora criada na Zona Sul carioca, berço da Bossa Nova, Beth Carvalho atravessou túneis e pontes e fez da Zona Norte, sobretudo de Madureira e do Cacique de Ramos, o seu lugar ao longo de seus quase 50 anos de carreira fonográfica (o primeiro disco da cantora foi um compacto editado pela RCA em 1965). Tanto que o jornalista Sérgio Cabral costuma dizer, brincando, que Beth Carvalho é o Túnel Rebouças – túnel que liga a Zona Sul à Zona Norte do Rio de Janeiro.

Orgulhosamente enraizado no subúrbio do Rio, Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira não é trabalho de caráter retrospectivo. Como já lançou há dez anos um DVD do gênero, a cantora optou por gravar um show de roteiro renovado que mistura músicas do álbum Nosso samba tá na rua (2011) – disco que Beth acabou sem divulgar por conta de já superados problemas de saúde – com músicas inéditas, com novidades na voz da artista – como o samba Meu lugar, até então associado somente ao seu compositor e intérprete Arlindo Cruz – e sucessos de outrora que há muito a intérprete não cantava em shows. Quemé do ramo e do samba sabe que Senhora rezadeira (Dida da Portela e Dedé), por exemplo, foi um sucesso cantado em todo o Brasil em 1979, ano em que Beth lançou o tema em seu álbum No pagode. E, pelo que se vê e ouve no DVD, o povo carioca da gema não se esqueceu desse samba, cujo contracanto é feito espontaneamente pela plateia. Que também faz coro no lalaiá de Lucidez (Cleber Augusto e Jorge Aragão, 1991), pérola melódica do pagode do Fundo de Quintal.

Outro resgate oportuno é o partido alto Ô Isaura (Rubens da Mangueira), sucesso do LP De pé no chão (1978), disco histórico que dividiu águas e abriu frentes nos fundos de quintais ao introduzir e estabelecer, no universo fonográfico, um novo padrão para a gravação de discos de samba, apresentando uma sonoridade (com a introdução do tantã, do repique de mão e do banjo) que vigora até hoje o gênero – como a cantora faz questão de ressaltar no documentário Beth Carvalho, Coração em festa.

Por falar em sonoridade, a do CD e DVD Beth Carvalho ao vivo no Parque Madureira ostenta a maestria do maestro Ivan Paulo, criador dos arranjos e regente da big-band formada pelos virtuosos músicos Carlinhos Sete Cordas (violão de sete cordas), Charlles da Costa (violão de seis cordas), Dirceu Leite (sopros), Fernando Merlino (teclados), Paulinho da Aba (pandeiro), Pirulito (percussão), Márcio Vanderlei (cavaco e banjo), Valtinho (bateria), Beloba (Tantã), Álvaro Santos (repique de mão) e Tcha Tcha Tcha (surdo), além das vocalistas Clarisse Grova e Jussara Lourenço. Um time que sabe dar colorido a cada samba.

Apresentada em cena como a “rainha do samba” na abertura do show, momento em que cordas e sopros preparam a cama harmônica para O show tem que continuar (Arlindo Cruz, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila) sob profusão de luzes e cores, Beth Carvalho se sente em casa no palco armado no Parque Madureira. Diante da multidão, a cantora reina de fato, com a autoridade de ser uma das principais referências de samba do Brasil. Os olhos da cantora traduzem a emoção de estar ali, naquele bairro tão carregado de história e tradição, cantando a Arte popular do nosso chão. Beth é a rainha, mas ela sabe que, na verdade, é o povo que produz o show e assina a direção, como diz a letra de Coisa de pele (Jorge Aragão e Acyr Marques), construída com os versos poéticos de Acyr Marques, que se alternava no ofício de compositor e de motorista de ônibus quando escreveu a letra do samba lançado por Beth em 1986.

A cada música que canta, a rainha Beth Carvalho faz questão de dar os nomes de seus súditos compositores. Nomes que estão impressos na contracapa do CD e do DVD para valorizar o ofício desses bambas que ora recebem, mais uma vez, as bençãos da madrinha. Um dos mais celebrados, Zeca Pagodinho, afilhado que se tornou também padrinho de compositores emergentes, entra em cena no início de Deixa a vida me levar (Serginho Meriti e Eri do Cais, 2002), samba que Beth já vinha cantando em shows, mas que até então nunca havia registrado. Legitimado pela rainha do samba como o rei do Brasil, por “representar o povo brasileiro”, como Beth diz no palco, Zeca Pagodinho permanece em cena para cantar com sua madrinha – que o revelou em 1983 com a gravação de Camarão que dorme a onda leva (Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Beto sem Braço), samba também incluído no roteiro – o positivista Ainda é tempo pra ser feliz (Arlindo Cruz, Sombra e Sombrinha, 2000) e animar o povo com Arrasta a sandália, o samba composto por Luana Carvalho – filha da corujíssima Beth – com Dayse do Banjo que Zeca já havia gravado com Beth em 2011 no álbum Nosso samba tá na rua.

Além de ter sido o primeiro disco de inéditas de Beth em 15 anos, o álbum Nosso samba tá na ruaé importante na discografia da cantora por aglutinar sambistas de várias gerações. Sem esquecer de dar voz aos bambas de tempos idos, como o sempre lembrado Nelson Cavaquinho (1911 – 1986), Beth avalizou compositores que estão começando a pôr seu blocos na rua, caso do carioca Leandro Fregonesi, parceiro de Rafael dos Santos no animado Chega, alocado no carnavalesco bloco final do DVD. Nesse bloco, aliás, Beth faz o primeiro registro audiovisual do pot-pourri de marchinhas que gravou no álbum Coração feliz, o mesmo disco de São José de Madureira. Ou seja, tudo faz sentido e se encaixa no roteiro, que inclui também a participação da sobrinha de Beth, a cantora Lu Carvalho, que sola Devotos do samba (Serginho Meriti e Rodrigo Leite) – número exclusivo do DVD – em homenagem à sua tia.

Renovando seu repertório, Beth Carvalho incluiu músicas novas no roteiro do show do Parque Madureira. Se a fila andar, parceria de Toninho Geraes com Paulinho Rezende, é inédito e dolente samba de (mágoas) de amor. Parada erradaé o toque social do show. Como Beth conta ao público, o compositor Serginho Meriti – parceiro de Rogê e Rodrigo Leite no inédito samba – teve a luz da inspiração ao ver uma cena chocante em ponto da cracolândia da Avenida Brasil. O ponto de partida para a criação do tema foi a visão de uma mãe em desespero por ver o filho entregue ao crack e imune aos seus cuidados e apelos para se livrar da droga. A cena foi o mote para a criação desse samba triste escrito sob a ótica de uma mãe que ainda alimenta a esperança de ver o filho liberto da tal parada errada.

Samba de Moacyr Luz, Estranhou o quê? também dá seu toque social. Conhecido somente por quem freqüenta as rodas do Samba do Trabalhador, evento comandado por Luz no subúrbio carioca, Estranhou o quê?é – nas palavras de Beth, ditas no palco do Parque Madureira – “um protesto contra o racismo que ainda existe nos dias de hoje”. Com a gravação de Beth, o samba tem tudo para virar sucesso nacional. O refrão explosivo – reforçado pelo coro do público – provoca quem ainda se assusta com os progressivos direitos conquistados pela população negra, bem representada, aliás, na plateia que assistiu ao show da cantora no Parque Madureira. Tudo a ver com a história de uma artista considerada “a branca mais preta do Brasil”.

Mas o fato é que o samba não tem cor. No documentário Beth Carvalho, Coração em festa, idealizado por Afonso Carvalho e concretizado sob a direção de Gabriel Mellin e Bruno Murtinho, personalidades e compositores negros, brancos e mulatos reverenciam a cantora por sua contribuição fundamental à história do samba – sobretudo o samba de Madureira. “Nunca morei no subúrbio, mas eu tenho uma relação com o subúrbio maior do que a de muita gente que vive na Zona Norte”, ressalta a artista, orgulhosa dessa vivência suburbana.

O roteiro é costurado por entrevista concedida por Beth para os produtores do filme exibido nos extras do DVD. Nessa entrevista, Beth rememora a primeira vez que cantou em público – o samba Lata d’água (Luiz Antônio e Jota Júnior, 1952), num concurso carnavalesco infantil promovido por um programa de rádio – e se emociona, sem conter as lágrimas, ao narrar o momento do nascimento de sua filha Luana Carvalho.

Entre imagens apetitosas de feijoada na quadra da escola de samba Portela, captadas neste ano de 2014, o DVD mostra cena inéditas de show de Beth na agremiação de Madureira. No palco da Portela, a cantora cai no samba Vou festejar (Jorge Aragão, Dida e Neoci, 1978), um dos maiores sucessos de uma carreira que a entroniza, de fato e de direito, no posto de rainha do samba. Uma rainha legitimada por seu povo nesses 50 anos de andanças por todos os pontos em que se ouve o melhor samba do Brasil. É por isso que, decorridos 30 anos, esse povo ainda canta com Beth aquele refrão de 1984.

                “É de Madureira, São José /
                    “É de Madureira, São José...”

Sim, Beth Carvalho será sempre de Madureira.

                  Mauro Ferreira

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