Resenha de CD
Título: SambabookDona Ivone Lara 1
Artista:vários
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * 1/2
Título: SambabookDona Ivone Lara 1
Artista:vários
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * 1/2
♪ Com bom senso, o elenco do primeiro dos dois volumes do CD Sambabook Dona Ivone Lara jamais inventa moda ao regravar 13 títulos expressivos do cancioneiro da compositora carioca. Feitas sob a direção musical de Alceu Maia, as 13 regravações soam respeitosas, tendo sido feitas dentro de um padrão de reverência às melodias, às cadências e às letras geralmente poéticas e melancólicas da obra da artista, pioneira ao abrir alas para as mulheres no mundo machista do samba a partir dos anos 1940. É salutar que artistas procurem a reinvenção ao abordar músicas já conhecidas. Contudo, nesse caso específico, a reverência é oportuna por se tratar de um cancioneiro de características bem marcantes que dificilmente manteria sua beleza fora da forma original. Quarto título da série multimídia criada pela empresa Musickeria, o Sambabook Dona Ivone Lara soa digno, sempre correto, ainda que um ou outro artista sobressaia no elenco - como é natural em projetos coletivos. Os destaques do CD Sambabook Ivone Lara 1 são a cantora portuguesa Carminho, o rapper paulistano Criolo, a cantora baiana Mariene de Castro e a cantora carioca Teresa Cristina. Em dueto com o músico carioca Hamilton de Holanda, sublime no toque de seu bandolim, Carminho brilha em Nasci para sonhar e cantar (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1982) porque "o mundo de tristeza" que ronda o samba de Ivone - e que é citado explicitamente na letra desse belo samba lançado pela compositora no seu quarto álbum, Alegria minha gente - Serra dos meus sonhos dourados (WEA, 1982) - tem parentesco com o universo do fado. Criolo reitera sua intimidade com o samba em Tiê (Ivone Lara, Mestre Fuleiro e Tio Hélio, 1974) sem precisar inserir um rap na sua gravação para legitimar sua escalação. Mariene de Castro expõe com precisão o tom maternal de Sorriso de criança (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1979). Já Teresa Cristina - cujo canto carrega uma tristeza parecida com a melancolia recorrente no cancioneiro paradoxalmente otimista de Ivone - expressa toda a gama de sentimentos de um samba belo e pouco conhecido da compositora, Agradeço a Deus (Ivone Lara e Mano Décio da Viola, 1970), pérola pescada no baú da autora. Já Maria Bethânia demonstra preguiça ao regravar Sonho meu (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1978), samba lançado pela própria Bethânia em dueto com Gal Costa. O disco teria ainda mais valor se Bethânia tivesse gravado um samba inédito em sua voz. Zeca Pagodinho também revela certa apatia na interpretação de Minha verdade (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1976), sem mostrar toda a beleza desse samba menos batido da parceria de Ivone com o compositor fluminense Délcio Carvalho (1939 - 2013), cujas letras de versos embebidos em poesia ajudaram a delinear os contornos da obra de sua parceira. A mineira Aline Calixto e as cariocas Leci Brandão e Luiza Dionísio defendem com correção Não chora neném (Ivone Lara, 1979), Enredo do meu samba (Ivone Lara e Jorge Aragão, 1984) e Mas quem disse que eu te esqueço? (Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho, 1981), respectivamente. Já Adriana Calcanhotto é tão boa intérprete que, mesmo sem ter veia afro pulsando em sua garganta, consegue acender Candeeiro da vovó (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1996). Por sua vez, Vanessa da Mata oferece pálida interpretação de Acreditar (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1976), um dos sambas mais populares da obra da compositora. Vanessa somente não é pior do que Bruno Castro. Parceiro mais frequente de Ivone desde os anos 2000, Castro expõe a falta de vocação para o canto ao entoar um dos mais bonitos sambas do cancioneiro de sua parceira, Em cada canto uma esperança (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1978). Por fim, o grupo Jongo da Serrinha defende com propriedade Axé de Ianga (Pai maior) (Ivone Lara, 1981) em gravação que deveria ter tido o peso da percussão mais realçado na mixagem. No todo, o Sambabook Dona Ivone Lara 1 cumpre sua função de expor - com maior ou menor êxito, dependendo do artista - a beleza poética de repertório tão nobre quanto atemporal.