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Coração brega de Fafá bate (bem) mais forte na cena chique de Paulo Borges

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Resenha de show
Título: Do tamanho certo para o meu sorriso
Artista: Fafá de Belém (em foto de Caio Gallucci)
Local: Teatro Itália (São Paulo, SP)
Data: 25 de agosto de 2015
Cotação:* * * * *
 Show em cartaz até 26 de agosto de 2015 no Teatro Itália, em São Paulo (SP)

O coração assumidamente brega de Fafá de Belém bate mais forte na cena chique armada pelo diretor Paulo Borges para a cantora paraense apresentar as músicas do recém-lançado álbum com que a artista comemora 40 anos de carreira fonográfica que andou adormecida na última década. Fafá voltou. E retornou com força com o disco Do tamanho certo para o meu sorriso, desde 20 de agosto no mercado fonográfico em edição da gravadora Joia Moderna. A retomada é solidificada pelo primoroso show que estreou ontem, 25 de agosto de 2015, no Teatro Itália, em São Paulo (SP), sob a direção de Paulo Borges. Além de consolidar a marca hi-tech de Borges (o todo-poderoso da São Paulo fashion week para quem  é estranho no ninho da moda) como diretor de espetáculos musicais calcados em projeções de imagens em vídeo-cenário de Richard Luiz (a mesma estética do show de Alice Caymmi), o show Do tamanho certo para o meu sorriso engrandece o que no disco soou menor do que o canto farto de Fafá. Todas as músicas do disco de tom tecnobrega - produzido por Manoel Cordeiro com Felipe Cordeiro - crescem e ganham sentido adicional no show. De tom popular, esse repertório - rechaçado por quem espera que Fafá somente dê ouvidos e voz às músicas de compositores associados à MPB dos anos 1960 e 1970 - se amalgama em cena, sem choques, com os maiores sucessos da cantora em seus 40 anos de carreira.  Os sucessos antigos reaparecem com arranjos novos, criados e tocados somente com as guitarras de Manoel Cordeiro e Felipe Cordeiro, únicos músicos em cena (tal como no disco). Símbolos de diferentes gerações e fases da cena musical do Pará, as guitarras de pai e filho choram em Bilhete (Ivan Lins e Vitor Martins, 1980), a doída canção de separação que Fafá tomou para si em gravação de 1982, feita dois anos após os registros quase simultâneos de Ivan Lins e do grupo MPB-4. O canto de Fafá é alegre, mas também sabe expor os dramas afetivos de canções como Volta (Johnny Hooker, 2013), música que abre o show com Fafá de costas para a plateia. A virada estratégica, no meio da música, surte forte efeito cênico, sinalizando o domínio que a cantora tem do gestual teatral. Só que, sem deixar de ser Fafá, a cantora vista em cena no show Do tamanho certo para o meu sorriso soa mais refinada sem perda da intensidade de suas interpretações. Fafá fala menos - e, quando fala, diz somente o essencial - e canta mais. Canta muito, aliás, com a voz que conserva a potência e atinge os tons de outrora com naturalidade e uma energia que parece concentrada no palco. Por isso, no show, Pedra sem valor - inédita fornecida pela compositora paraense Dona Onete para o disco - brilha muito mais do que no registro do álbum. É como se Pedra sem valor retratasse, no roteiro, a volta por cima da personagem que rompe laços conjugais em Bilhete. Um dos pontos altos do show, Cavalgada (1977) - canção sensual de Roberto Carlos e Erasmo Carlos que volta e meia reaparece no repertório de Fafá - é interpretada com a cantora deitada em praticável que simula a cama de um motel. A intérprete se contorce entre almofadas para explicitar no canto e no corpo o gozo poeticamente retratado pelos autores na letra. No clímax, o praticável gira a partir do verso"Estrelas mudam de lugar" em efeito cênico valorizado pela projeção de um céu no telão. É arrepiante! Com linguagem mais simples e direta, Quem não te quer sou eu (Firmo Cardoso e Nivaldo Fiúza, 2002) - sucesso local da banda paraense Sayonara - e o bolero Usei você (Silvio César, 1971) são músicas que reverberam a exteriorizada trilha sonora dos cabarés, boates e inferninhos de um interiorano Brasil de dentro que também pulsa nas ruas de Belém. Alocado no início do show, Asfalto amarelo (Manoel Cordeiro, Felipe Cordeiro e Zeca Baleiro, 2015)  é o convite de Fafá para que o público adentre o interior de seu Pará. Com três estilosos figurinos assinados pelo estilista Luis Claudio (da APTO 03), Fafá celebra o Pará e, em especial, sua Belém do Pará, retratada em Os passa vida (Osmar Jr. e Rambolde Campos, 2004), outro sucesso local da banda Sayonara que faz mais sentido no show Do tamanho certo para o meu sorriso, provocando o choro incontido da cantora. E por falar em figurinos, o vestido vermelho da segunda parte cai bem na personagem voluptuosa de Sedução (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1977). Este número é o que apresenta o melhor efeito do vídeo-cenário de Richard Luiz. Tal efeito cria no espectador a ilusão de que Fafá está cantando Sedução na porta de uma das casas de Belém projetadas no telão. Outro efeito é o peixe que se delineia com nitidez, ao fim de Sereia (Lulu Santos e Nelson Motta, 1983), na imagem inicialmente difusa projetada ao longo do número. São marcas da direção de Paulo Borges em show que flui sem erros, sinalizando que Meu coração é brega (Veloso Dias, 2015) pode vir a se tornar hit popular, consolidando a trajetória de seu compositor, autor de Ex mai love (2012), sucesso na voz da paraense Gaby Amarantos. Meu coração é bregaé outra música do disco que bate mais forte no show, pela força cênica e vocal de Fafá, intérprete moldada para músicas passionais como Abandonada (Michael Sullivan e Paulo Sérgio Valle, 1996), cantada com dramaticidade - no toque das guitarras de Manoel e Felipe Cordeiro - mas sem os exageros de shows anteriores. Sob medida (Chico Buarque, 1979) também ressurge sem tantas firulas. Já Vem que é bom (Manoel Cordeiro e Ronery, 1979) é convite à dança que tem vocais do mesmo Manoel Cordeiro que, no toque de sua icônica guitarra, cria introdução agalopada para o bolero Foi assim (Paulo André Barata e Ruy Barata, 1977). No fim, O gosto da vida (Péricles Cavalcanti, 1982) - espécie de carta de intenções do canto da artista - faz o Carnaval continuado no bis com o samba Filho da Bahia (Walter Queiroz, 1975), marco inicial da trajetória fonográfica de Fafá, e com Este rio é minha rua (Paulo André Barata e Ruy Barata, 1976). A conexão Bahia-Pará é feita com naturalidade pelas guitarras e pelo canto emotivo e solar da artista. Enfim, sob a direção chique de Paulo Borges, Fafá refina sua postura em cena sem deixar de ser a Fafá de sempre. Para quem vinha fazendo shows irregulares de conceito mais fluido e de menor apuro visual, o espetáculo Do tamanho certo para o meu sorriso supera o disco homônimo que o gerou e reforça a feliz sensação de que Fafá de Belém volta, enfim, a ocupar um lugar que sempre foi seu.

♪ O blog Notas Musicais viajou à cidade de São Paulo (SP) a convite da gravadora Joia Moderna

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