Resenha de show
Título:Delírio
Artista: Roberta Sá (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Vivo Rio(Rio de Janeiro, RJ)
Data: 21 de novembro de 2015
Cotação: * * * *
Título:Delírio
Artista: Roberta Sá (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Vivo Rio(Rio de Janeiro, RJ)
Data: 21 de novembro de 2015
Cotação: * * * *
♪ Com a inteligência que pautou a maioria das escolhas de discografia que completou uma década neste ano de 2015, Roberta Sá conseguiu que um disco meramente bom, Delírio (MP,B Discos / Som Livre, 2015), desse origem a um ótimo show. Sexto álbum de discografia iniciada oficialmente há dez anos com a edição de Braseiro (MP,B Discos / Universal Music, 2005), Delírio priorizou a precisão técnica do canto em detrimento de uma graciosidade que fez com que Roberta caísse quase instantaneamente - com trocadilho - nas graças do público, sobretudo o carioca. Sem o frescor que dava o tom das gravações iniciais da cantora, o disco Delírio soou morno em alguns momentos. Contudo, no show que chegou à cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 21 de novembro de 2015, após estrear em Juiz de Fora (MG) em 5 de novembro, a cantora ajustou a temperatura do repertório de Delírio com a chama do palco, com a quentura do público - sintomaticamente mais caloroso quando a cantora reviveu músicas de álbuns anteriores, mas receptivo às composições do novo disco - e com roteiro sagaz que aproveita somente nove das 11 músicas do CD, omitindo Última forma (Baden Powell e Paulo César Pinheiro, 1972) e Feito Carnaval (Rodrigo Maranhão, 2015), duas músicas que contribuíram decisivamente para o tom plácido do disco (a primeira por ter sido registrada com interpretação acanhada que jamais dá o recado do samba). Com o toque magistral da banda capitaneada pelo diretor musical Rodrigo Campello (violão de sete cordas) e formada por feras como Alberto Continentino (baixo), Luis Barcelos (bandolim e cavaquinho), Marcos Suzano (percussão) e Paulino Dias (percussão), Roberta Sá teve a sabedoria de apresentar logo no bloco inicial do show os três bonitos sambas lentos do compositor baiano Cezar Mendes - Não posso esconder o que o amor me faz (Cezar Mendes e José Carlos Capinam, 2015), o buarquiano Se for pra mentir (Cezar Mendes e Arnaldo Antunes, 2011) e Um só lugar (Cezar Mendes e Tom Veloso, 2015), este cantado por Roberta sentada, num canto do palco - que também colaboraram para que o disco soasse demasiadamente sereno e que, no show, poderiam amenizar o clima da apresentação se fossem dispersados ao longo do roteiro. E o fato é que o show Delírio foi ganhando pique, calor e graciosidade a partir do quinto número, Samba de um minuto (A novidade) (Rodrigo Maranhão, 2003), cantado pelo público carioca com tanta vontade que, em determinado momento do número, Roberta deixou que a voz do povo ecoasse sozinha na casa Vivo Rio. Samba fornecido por Adriana Calcanhotto para o repertório do disco Delírio, Me erra (2015) se tornou um dos acertos do show. Simples e espirituoso como todo samba da gaúcha Calcanhotto, Me erra se mostrou especialmente engenhoso em cena quando o verso "Estou subindo o morro de Mangueira" se afinou com a melodia em escala ascendente. Já a marcha pop que batiza disco e show, Delírio (Rafael Rocha, 2015), reiterou a afinidade do canto leve de Roberta Sá com a produção autoral de compositores da cena contemporânea carioca. Música do álbum anterior da artista, Segunda pele (MP,B Discos / Universal Music, 2012), Bem a sós (Rubinho Jacobina, 2012) manteve o show em alta, a propósito. Com sonoridade moderna e por vezes seresteira, como se a banda encarnasse no século XXI um dos regionais que deram o tom da música brasileira antes do advento da Bossa Nova, o show alcançou pico de intensidade quando Roberta interpretou - em clima de fado e com xale preto (adereço-clichê usado pelas cantoras em suas incursões pelo gênero lusitano) - o antigo samba Covardia (Ataulfo Alves e Mário Lago, 1938). Mesmo sem vocação para o canto mais dramático, Roberta ofereceu interpretação convincente para o samba tornado fado - o que somente evidencia seu crescimento como cantora. O dengo sensual feito por Martinho da Vila em Amanhã é sábado - samba inédito que fez para Roberta e que canta com ela no disco Delírio - também cresceu em cena, sinalizando que as intervenções de Martinho no álbum são dispensáveis. Já Água doce (Roque Ferreira, 2015) fez a cantora seguir a correnteza do manemolente samba baiano do compositor Roque Ferreira, a cujo repertório Roberta dedicou inteiramente o irretocável álbum Quando o canto é reza - Canções de Roque Ferreira (MP,B Discos / Universal Music, 2010). Desta obra-prima da discografia da artista, o show Delírio rebobina também Menino e Festejo, músicas alocadas no bis iniciado com Mais alguém (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2010), sucesso do álbum que consolidou a carreira fonográfica de Roberta, Que belo estranho dia pra se ter alegria (MP,B Discos / Universal Music, 2007). Mais alguémé da lavra dos mesmos compositores de Meu novo Ilê, única música do CD Delírio que soa mais sedutora no disco do que no show. Em cena, o arranjo - que evoca ritmos como a morna de Cabo Verde e o samba-reggae da Bahia - soou sem (toda) a clareza da gravação de estúdio. Em contrapartida, Ah, se eu vou (Lula Queiroga, 2001) trouxe de volta para a cena toda a graciosidade que pautava o canto de Roberta Sá em seus discos iniciais. É o número em que a cantora rodopia pelo palco do Vivo Rio, cheia de vida e cheia de graça. Boa surpresa do roteiro, o samba Gostoso veneno (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1979) ainda pode ser sorvido no show com mais sensualidade. Basta Roberta beber da fonte de Alcione, cantora que lançou o samba há 36 anos, em 1979. Já apontando o fim do show, na qual a cantora mostrou maior desenvoltura cênica ao se movimentar por todos os cantos do palco ao longo da apresentação, os sambas O nego e eu (João Cavalcanti, 2012) e Boca em boca - a primeira parceria de Roberta, compositora bissexta, com Xande de Pilares, fecho do disco Delírio - encerraram com animação um show no qual a cantora reverteu - positivamente - a expectativa do público de assistir a um espetáculo de tons plácidos como o disco.