Resenha de álbum
Título:O rigor e a misericórdia
Artista: Lobão
Gravadora: Independente /Tratore (distribuição)
Cotação: * * *
Título:O rigor e a misericórdia
Artista: Lobão
Gravadora: Independente /Tratore (distribuição)
Cotação: * * *
♪ Lobão alinha 14 canções autorais feitas dentro da noite escura no 17º álbum da carreira, O rigor e a misericórdia, cuja edição física em CD está sendo posta nas lojas neste mês de março de 2016 com distribuição da Tratore. Por noite escura, entenda-se um universo interior - solitário pela própria natureza da alma humana - em que o disco foi criado em processo recluso no estúdio caseiro do artista carioca no Sumaré, bairro da cidade de São Paulo (SP). É nesse universo paralelo que Lobão alterna músicas em que vocifera contra os políticos - caso da Marcha dos infames, conduzida em apropriada batida marcial - com composições feitas de reais emoções pessoais, como Ação fantasmagórica à distância, póstumo acerto de contas com o pai. Disponível nas plataformas digitais desde 1º de janeiro deste ano de 2016, O rigor e a misericórdiaé álbum extremamente pessoal, mas não íntimo, como sinaliza na abertura Overture, tema instrumental urdido com sintetizadas cordas de aura sinfônica. O disco por vezes é pautado pela inspiração do rock da década de 1970. Basta ouvir Os vulneráveis e Dilacerar para perceber a veia do rock pulsando forte na veia do velho Lobo. Contudo, O rigor e a misericórdia alcança pico de beleza numa canção entoada em espanhol, O que es la soledade en sermos nosostros, uma das mais belas baladas da lavra do artista de alma roqueira. "...O medo do silêncio é a lembrança de ser só", sentencia Lobão em verso do refrão dessa canção em espanhol. No processo solitário de criação deste álbum, Lobão encarou silêncios e a lembrança de Alguma coisa qualquer, feita para Cássia Eller (1962 - 2001), mas nunca gravada pela cantora carioca. Em O rigor e a misericórdia, Lobão enfim registra esta música que fica entre o rock e a balada com toque bluesy - e que realmente parece talhada para a voz visceral de Cássia. No todo, o disco situa Lobão entre o rigor político de temas como A posse dos impostores - faixa que se refere ao governo do PT e que reaviva tradição em discografia de artista que já afiou as garras contra políticos de outros partidos em músicas como O eleito (Lobão e Bernardo Vilhena, 1988) e Presidente Mauricinho (Lobão e Tavinho Paes, 1991), petardos disparados contra os então presidentes José Sarney e Fernando Collor, respectivamente - e a auto-misericórdia que parece ter guiado a criação do disco. Como mostrou o relato da gestação do álbum, feito por Lobão no livro Entre o rigor e a misericórdia -Reflexões de um ermitão urbano (Record, 2015), o artista tem paixão desmedida pelas músicas que criou ao longo do disco. Nem todas fazem jus a tanta paixão. Mesmo com inspiração pinkfloydiana, Profunda e deslumbrante como o sol parece fazer sentido somente no universo particular e peculiar habitado por Lobão. Em contrapartida, Uma ilha na luaé canção de amor e vocação popular, conduzida pelo violão e por sons cortantes (bem) tirados de um sintetizador. De todo modo, o álbum O rigor e a misericórdia transborda emoções reais em canções como A esperança é a praia de um outro mar, nascida da dor da perda de uma cunhada do artista. Dilacerante solo de guitarra de João Puig - filho de Mônica, a cunhada que inspirou a composição - valoriza a faixa, a única que tem sons não tocados pelo próprio Lobão, ermitão urbano que desperta amores e ódios por conta do discurso apaixonado feito na vida e na música ouvida em O rigor e a misericórdia, álbum criado em universo paralelo.