Quantcast
Channel: Notas Musicais
Viewing all articles
Browse latest Browse all 4098

Titãs recobram peso ao expor vísceras da babilônia nativa em Nheengatu

$
0
0
Resenha de CD
Título:Nheengatu
Artista: Titãs
Gravadora: Som Livre
Cotação: * * * *

Jesus continua banguela na república dos bananas. Em seu 18º álbum, Nheengatu, os Titãs recuperam o peso e a energia ao perfilar a babilônia brasileira. Lançado esta semana pela gravadora Som Livre, o disco expõe visão crítica do país e seus habitantes em leque temático que se conecta com a virulência de Cabeça dinossauro (Warner Music, 1986) e Jesus não tem dentes no país dos banguelas (Warner Music, 1987). Mesmo sem se impor como obra-prima no confronto com esses dois álbuns clássicos da discografia dos Titãs, Nheengatu tem vigor e uma acidez que corrói a má impressão deixada pelo último álbum de estúdio do grupo (já reduzido a um quarteto formado por Branco Mello, Paulo Miklos, Sergio Britto e Tony Bellotto). Se a banda chegou a soar eventualmente como NX Zero no artificial Sacos plásticos (Arsenal Music / Universal Music, 2009), disco de triste memória empacotado pelo produtor Rick Bonadio, Nheengatu faz os Titãs voltarem a ser Titãs na pegada roqueira do produtor Rafael Ramos. Provável efeito da revisita ao álbum Cabeça dinossauro em 2012, a conexão com o passado glorioso já tinha sido testada com êxito no show Inédito (2013), no qual o grupo apresentou dez das 13 boas inéditas registradas em Nheengatu. Musicalmente, o show é mais pesado. Mas o disco concilia o peso do rock com nuances nos arranjos. Fala, Renata (Tony Bellotto, Paulo Miklos e Sergio Britto) cresce no álbum ao alternar andamentos, embutindo sutis toques de música nordestina nas passagens mais leves que contrastam com o peso dado aos versos em que o vocalista tenta calar a personagem falastrona que, afinal, nada diz. Novidade do disco, Cadáver sobre cadáveré parceria de Miklos com o titã desertor Arnaldo Antunes, autor dos versos que discorrem sobre o ciclo incessante da morte, as naturais e as provocadas na selva das cidades. "Quem vive sobrevive", sentencia o verso-refrão da música sagazmente alocada no disco ao lado da única oportuna regravação, Canalha. Do repertório de Walter Franco, Canalhaé música apresentada pelo cantor e compositor paulista em 1979 em festival da extinta TV Tupi e registrada pelo autor no seu quarto álbum, Vela aberta (Epic / CBS, 1980). Com arranjo que valoriza seus versos incisivos, o tema de Franco se harmoniza com Cadáver sobre cadáver porque também pode ser entendido como uma música sobre a incessante dor canalha do luto. Como produtor escaldado na feitura de discos de rock pesado, Rafael Ramos acerta ao abrir mão por vezes do tom hard - o que poderia ter deixado o disco linear. Nheengatu tem variações, embora seja essencialmente um disco com pegada, visceral, marcado pelas proeminentes guitarras de Bellotto e Miklos. O peso cai muito bem sobre Fardado (Sergio Britto e Paulo Miklos) rock de moldura punk que questiona o papel da polícia. "Você também é explorado / Fardado", grita o refrão. Tema que perfila na primeira pessoa faminto usuário paulistano de crack viciado também em ódio e vingança contra seus opressores, Mensageiro da desgraça (Paulo Miklos, Tony Bellotto e Sergio Britto) evidencia a marcação cerrada da bateria de Mario Fabre, músico convidado, presente em todo o disco. Com foco mais aberto, República dos bananas (Branco Mello, Angeli, Hugo Possolo e Emerson Villani) esboça retratos em série de bundas e caras de um país enfocado sem ufanismo em Chegada ao Brasil (Terra à vista) (Branco Mello, Aderbal Freire Filho e Emerson Villani), retrato nada romântico da terra da cachaça, da raça e da trapaça. Nessa babel de sentimentos nada nobres, os versos do ska hardcoreEu me sinto bem (Paulo Miklos, Sergio Britto e Tony Bellotto) até parecem exalar certo cinismo e anestésica alienação com o estado natural das coisas num país que esconde debaixo do tapete o abuso infantil, assunto espinhoso de Pedofilia (Sergio Britto, Paulo Miklos e Tony Bellotto), tema escrito sob ótica da vítima que cospe nojo do agressor em versos sombrios. Com visão particular do relacionamento a dois, Flores pra ela (Sergio Britto e Mario Fabre) desabrocha a enraizada cultura machista que ainda oprime a mulher. No tom hard roqueiro que sustenta Nheengatu, Não pode (Sergio Britto) questiona autoridades e proibições arbitrárias entre breve caída na cadência do samba. Já Senhor (Tony Bellotto) reza pela cartilha punk que denuncia opressões e abusos cometidos em nome de Deus enquanto Baião de dois (Paulo Miklos) é rock que recusa flertes óbvios com a música nordestina enquanto Miklos canta letra que cita versos de músicas de autoria de Cartola (1908 - 1980), João Gilberto e Noel Rosa (1910 - 1937). No fim, retomando a virulência de Nheengatu, Quem são os animais? (Sérgio Britto) parte em defesa das diferenças sexuais e raciais com versos ("Te chamam de macaco / E inventam o teu pecado") extremamente atuais e afinados com o caos social de república de bananas que já parece perder o pulso, retomado pelos Titãs neste álbum cheio de energia e atitude que expõe as vísceras do país de banguelas.

Viewing all articles
Browse latest Browse all 4098

Trending Articles