Resenha de CD
Título: De ponta a ponta tudo é praia-palma
Artista: Thiago Amud
Gravadora: Delira Música
Cotação: * * * *
Título: De ponta a ponta tudo é praia-palma
Artista: Thiago Amud
Gravadora: Delira Música
Cotação: * * * *
Aos 33 anos, Thiago Amud já tem parcerias assinadas com os geniais compositores Francis Hime e Guinga - o que já basta para atestar o talento deste artista carioca que, como Hime e Guinga, parece ter se tornado cantor para dar voz à produção de suas músicas autorais. Segundo CD de Amud, recém-posto no mercado fonográfico pelo selo carioca Delira Música, De ponta a ponta tudo é praia-palma explora o território da música do Brasil - sob a produção noise do guitarrista JR Tostoi - a partir do descobrimento do país. Quem está no comando do barco que caminha por águas e formas nunca dantes navegadas é o próprio Amud, diretor musical do disco. Só que a conexão com Tostoi dá tom contemporâneo ao álbum - cujo caprichado projeto gráfico foi criado a partir da obra ...Com Hiroshige para os mares e as águas, da artista plástica carioca Anna Bella Geiger - e impede que De ponta a ponta tudo é praia-palma fique ancorado em algum remoto lugar do passado. A formatação experimental das 12 músicas autorais - produtos da lavra solitária de Amud, com exceção d'A saga do grande líder, parceria com Edu Kneip que narra em tom épico a aventura do descobrimento - tornou o disco instigante e desbravador de caminhos. Na música-título De ponta a ponta tudo é praia-palma, o pandeiro de Sergio Krakowski insinua um samba, mas sem seguir a cadência bonita do gênero, diluída entre experimentações e dissonâncias. Com título extraído da carta enviada pelo escrivão lusitano Pero Vaz de Caminha (1450 - 1500) ao então rei de Portugal Dom Manuel I (1469 - 1521) sobre o achamento do Brasil, De ponta a ponta tudo é praia-palma segue o fluxo de águas conceituais, partindo de Portugal com oFado de Bandarra até aportar no Brasil, terra de sertões secos (desbravados em Devastação na batida noise do produtor JR Tostoi), de samba e do Carnaval, evocado no samba No contratempo e no frevo Carnaval na Mesopotâmia. O tom rebuscado de letras verborrágicas como a de Papoula brava expõe o caráter delirante do disco, cuja salutar estranheza vem justamente do confronto de versos e ritmos antigos com o som noise de Tostoi. Aberta por coro lírico, a cantiga Estigma derrama poesia, expondo a eventual semelhança do timbre da voz de Amud com a do cantor carioca Zé Renato. Composta em memória de Dorival Caymmi (1914 - 2008), Outro acalanto versa com lirismo sobre outros mares, pescando pérolas poéticas no tempo da delicadeza dos vibrafones de Arthur Dutra, único instrumento a se harmonizar com o canto de Amud. "Sou velho / Minha raça limita com a dos patriarcas", depõe Amud nos versos de Ancestral, tema que embute o toque afro-baiano do ijexá. O compositor parece mesmo velho, egresso de outros Carnavais da música brasileira. Mas nada soa velho em De ponta a ponta tudo é praia-palma, disco que também ecoa e confronta a força de tambores ancestrais em Toante com a pegada atual de Tostoi. Última música do CD, gravada por Amud em dueto com a cantora carioca Cintia Graton, Silêncio d'Água conduz o disco ao seu porto final, selando com suavidade o êxito da atípica viagem desse navegante delirante e instigante. Descubra o Brasil torto de Thiago Amud!