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Réu deixa 'Rei' nu em livro que expõe regras do jogo entre artista e mídia

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Resenha de livro
Artista:O réu e o rei - Minha história com Roberto Carlos, em detalhes
Autor: Paulo Cesar de Araújo
Editora: Companhia das Letras
Cotação: * * * * *

Mais do que na desautorizada biografia Roberto Carlos em detalhes (Editora Planeta, 2006), livro que circula no território livre da web em que pese sua retirada do mercado literário oficial por acordo judicial firmado em 2007, é em O réu e o rei que o escritor e historiador baiano Paulo Cesar de Araújo deixa nu o Rei, alcunha com que mídia e público se referem ao cantor e compositor capixaba Roberto Carlos. Araújo cutuca a fera ferida em seu orgulho com livro revelador que descortina os então secretos bastidores da batalha judicial que culminou com a retirada de sua biografia das livrarias do Brasil (como o próprio escritor revela ao fim de O réu e o rei, o livro Roberto Carlos em detalhescontinua sendo comercializado em Portugal de forma oficial). Desta vez, a vara não é tão curta: Araújo conta com o apoio da Companhia das Letras, uma das mais poderosas editoras do Brasil, hábil no jogo com a mídia - a ponto de pôr O réu e o rei de surpresa nas prateleiras das livrarias e nas mãos dos jornalistas em 20 de maio de 2014. Tanto que a fera ferida já comunicou oficialmente ontem, 30 de maio de 2104, que não vai partir para o contra-ataque judicial por avaliar que inexiste "invasão de sua privacidade e/ou injúrias ou difamações a sua pessoa" nas 530 páginas de O réu e o rei. Páginas envolventes que revelam mais da natureza de Roberto Carlos como cidadão e artista do que a própria controvertida biografia, fruto de consistente trabalho de pesquisa de Araújo que somente detalhou fatos já de conhecimento público para, ao fim das contas, enaltecer o próprio Roberto Carlos. Sob o prisma do ineditismo dos fatos, O réu e o rei é mais revelador porque despe o Rei de sua personagem pública ao expor as agruras de sua saga para entrevistar Roberto Carlos para a biografia e os meandros da posterior batalha judicial para manter o livroRoberto Carlos em detalhes em circulação de forma oficial no mercado editorial brasileiro. Ao relatar em minúcias para o seu leitor tudo que ocorreu a portas fechadas na audiência de conciliação que culminou no acordo para a retirada da biografia do mercado (acordo firmado pelos representantes da Editora Planeta à revelia do autor do livro), Araújo mostra Roberto Carlos como ele é: um artista fera que, se ferido em seu orgulho, usa de seu poder e de sua popularidade para reverter o jogo a seu favor e fazer valer suas convicções e noções de público e privado. A julgar pelo relato feito por Araújo em O réu e o rei, esse jogo já estava ganho para o Rei naquele round judicial, uma vez que - ainda de acordo com Araújo - o juiz intimidou de antemão os representantes da Planeta com a ameaça de fechar a editora, pressionando dessa forma a empresa a aceitar o acordo. Somente esse relato já valeria a leitura de O réu e o rei. Mas o livro vai além ao dimensionar a força nacional de Roberto Carlos a partir de 1965 - ano em que o sucesso instântaneo e avassalador do rock Quero que vá tudo pro inferno (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1965) consolida a carreira do cantor e chama a atenção do então pequeno Araújo para o som do Rei da juventude - e ao expor as regras do jogo de poder travado cotidianamente entre artistas e mídia. Nesse jogo, críticos musicais são peças importantes pelo poder - hoje diluído pela multiplicidade de opiniões da web, mas ainda existente - de conferir (ou não) status a um artista. Enquanto conta sua história de vida, rememorando o impacto que cada lançamento de um álbum de Roberto Carlos provocava na sua interiorina cidade de Vitória da Conquista (BA) nos anos 1960 e 1970, Araújo reproduz trechos de críticas desses grandes álbuns, atualmente avaliados como geniais pela maioria dos críticos, mas atacados impiedosamente na época de seus lançamentos pelos jornalistas em atividade naquele tempo - caso do talentoso Tárik de Souza, pioneiro da moderna crítica musical. Como outros colegas da época, Tárik destruía cada álbum lançado por Roberto Carlos em sintonia com a patrulha ideológica da mídia tendenciosa da época, sempre disposta a cobrar engajamento político dos artistas que faziam parte do bloco dos alienados ou omissos. Naquele contexto, pouco importava se Roberto lançava grandes canções a cada álbum se tais canções não se engajavam na luta contra a repressão da ditadura instaurada no Brasil em 1964. Por fazer análise amorosa (mas lúcida) da obra fonográfica construída por Roberto Carlos ao longo de seus 55 anos de carreira, Araújo deixa entrever por diversas vezes a admiração que tem por essa obra entronizada na preferência popular de sucessivas gerações, em reinado que ganhou fôlego renovado em 2012 com o lançamento da balada Esse cara sou eu (Roberto Carlos), sucesso imediato ao ser apresentada em novembro daquele ano. Contudo, O réu e o rei é nada condescendente com a postura do artista na luta para preservar o que ele considera sua intimidade. A ponto de Araujo concluir seu relato analítico com a comparação das atitudes de Roberto Carlos com as de um senhor de escravos dos tempos do Brasil colonial. Sem maquiar atos e fatos, Araújo revela como o cantor soube se armar - a partir dos anos 1970 - para enfrentar o cotidiano jogo de poder que envolve artistas e mídia. O livro mostra como a assinatura de um contrato exclusivo com a TV Globo em 1974 - contrato ainda em vigor neste ano de 2014 - blindou Roberto Carlos no mais poderoso veículo de comunicação do país. Araújo mostra também como o Rei constituiu relações de confiança com editores de revistas como Fatos & Fotos e Manchete, publicações importantes no Brasil pré-Caras que, em troca de acesso exclusivo a fatos e fotos do artista, ajudaram a moldar retrato romantizado do artista para o seu público. Ao reconstituir cada passo de sua odisseia para tentar (em vão, como Araújo demorou a perceber) a entrevista com Roberto Carlos para a biografia, Araújo desarma o circo armado em torno do cantor em  entrevistas coletivas, eventos públicos e shows por staff orquestrado por assessores de imprensa, produtores e empresários como Dody Sirena, o gaúcho tenaz que fez Roberto rever seus conceitos de não associar publicamente seu nome a produtos como marcas de cervejas, carnes e cartões de créditos - ação que gerou aumento substancial no faturamento do artista à medida em que caíam as vendas de seus discos por conta da queda na qualidade do repertório e por conta da pirataria de CDs que dinamitou o mercado fonográfico a partir dos anos 2000. Despido com detalhes alinhavados por réu agraciado com o dom da escrita, e cuja heroica trajetória de vida já se entrelaça de forma indissociável com a vida e obra de Roberto Carlos, o Rei está nu. Cada um que o vista com seus olhos e convicções.

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