Editorial - Programado pela gravadora Biscoito Fino para chegar ao mercado fonográfico neste mês de junho de 2014, o 51º álbum da discografia de Maria Bethânia, Meus quintais, certamente vai suscitar acaloradas discussões nas redes sociais sobre a natureza do disco. Ao gravitar em torno de um universo interiorano, em repertório que concilia tema do folclore popular como a Moda da onça (recolhido e gravado pela cantora paulista Inezita Barroso em 1960) e canção sertaneja como Lua bonita (Zé do Norte e Zé Martins, 1953), a intérprete baiana volta a dar voz a um Brasil rural que tem norteado explicitamente seus álbuns a partir do aclamado Brasileirinho (Biscoito Fino, 2003), mas que já estava entranhado também na natureza de álbuns anteriores como Olho d'água (PolyGram, 1992). É um Brasil de dentro, povoado por matas, rios, caboclos, índios. O Brasil cantado pelo carioca Dori Caymmi em sua parceria com o poeta e compositor carioca Paulo César Pinheiro. Não por acaso, música recente da dupla de compositores, Alguma voz (2014), abre Meus quintais no toque do piano de André Mehmari. É o Brasil de tribos que o compositor paraibano Chico César aborda em Arco da velha índia e Xavante, duas músicas inéditas que ganham a voz de Bethânia em Meus quintais, alicerçando sua conexão com Chico César, nome recorrente na discografia da cantora desde o renovador Âmbar (EMI Music, 1996), álbum em que Bethânia - também pela primeira vez - deu voz à gaúcha Adriana Calcanhotto, que ora lhe fornece Uma Iara, a inédita linkada em Meus quintais com A perigosa Yara, texto da escritora ucraniana-brasileira Clarice Lispector (1920 - 1977). Quem também baixa forte no sólido terreiro de Bethânia é o compositor baiano Roque Ferreira, autor de cinco das 14 músicas do disco. Candeeiro velho (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro), Casa de caboclo (Paulo Dáfilin e Roque Ferreira), Folia de Reis (Roque Ferreira), Imbelezô eu (Roque Ferreira) e Vento de lá (Roque Ferreira) são músicas que ajudam a moldar esse Brasil interiorizado e interiorano de Bethânia, sendo que Vento de láé a mesma música lançada por Roberta Sá no CD coletivo Samba novo (Som Livre, 2007) com o título de Afefé. É o país das matas e melodias de Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927 - 1994) - lembrado em Meus quintais com sua terna Dindi (Antonio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira, 1959) - e também do samba cantado em Povos do Brasil, música do carioca Leandro Fregonesi, único compositor até então inédito na discografia de Bethânia. E o vento que toca nas folhas espalha também em Meus quintais a saudade de Claudionor Viana Teles Veloso (1907 - 2012), a Dona Canô, o que dá sentido à regravação de Mãe Maria (Custódio Mesquita e David Nasser, 1943), tema que Bethânia já revivera em 1976. A propósito, sentido tem tudo o que Maria Bethânia gravou ao longo de carreira fonográfica que vai completar 50 anos em 2015. Haverá quem detecte repetições em Meus quintais. Mas haverá quem enxergue, no fundo do quintal, coerência no mergulho da artista em seu interior.
↧